Meu poema
é um tumulto, um alarido:
basta apurar o ouvido
(Ferreira
Gullar)
Quem fala,
quando eu falo? De quantos “eus” a gente é feito? E, dentro desses “eus”, qual deles
é o verdadeiro, se é que existe?
Sinto que nunca ando sozinho. Às vezes,
me distraio e parece que sou eu mesmo que está andando, calmamente, pelas ruas
de Florianópolis. Sem me dar conta, saio do carro, atravesso ruas e ando pelas
calçadas estreitas, pensando em quase nada. Entretanto, sem que eu perceba, de
repente, me vejo agindo e/ou pensando com um jeitão que me faz lembrar alguém.
Não se trata de imitação ou de falta de personalidade. É outra coisa. Outra. É
uma inevitável presença de outrem em mim. Parece algo meio espiritual, mas não
é isso que quero dizer; revelo sensação.
Tive um avô que era meio artista:
tocava gaita de boca, cantava, dançava, contava histórias, anedotas. Quando
íamos a sua casa, ele nos convidava a sentar à mesa e nos divertia, enquanto comíamos
com um sorriso no rosto. Seus cabelos fortes para quem possui idade avançada
dialogavam com o olhar de um azul vivo. Era descendente de eslavos.
Do meu bisavô – sogro do avô acima
citado, aliás – sei apenas de relatos da minha mãe, que se lembra dele com
alguns lapsos, provocados pelo tempo. Curiosa subjetividade! Quando a gente não
recorda muito bem de algo ou de alguém completa as lacunas com a nossa
imaginação. Imagine, então, as camadas pelas quais a figura do bisavô passa até
chegar à imagem que dele construí?! Sei que chegou a lecionar alemão e lia
neste idioma. Adorava ler periódicos, vindos da Germânia, aos quais tinhas acesso
através de um conhecido que recebia e repassava.
Quando eu tinha poucos anos, um tio meu
faleceu. Ele praticamente não está em minhas memórias. Mais uma vez preciso apelar
para descrições de outrem para formular minha imagem. Descobri que era alto,
loiro e tinha os dentes ralos. Além disso, uma peculiaridade: gostava de fazer
brincadeiras com os outros, mas não aceitava brincadeiras dos outros.
Pronto, aí estou eu. Sou a antropofagia do Oswald. Há algo de original, primordial em mim? Consigo ser um pouco “eu” ou sou totalmente “nós”?
Bom, ainda não toco gaita nem leio em alemão.
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