sábado, 16 de agosto de 2014

O cemitério da colina

Esses dias, vi uma mulher lavando um túmulo. Lembrei-me de do Machado de Assis: túmulo limpo com frequência mantém a morte recente (parafraseei). É um pensamento do Conselheiro Aires, quando de sua ida ao cemitério, com a irmã, Rita. Configura-se uma limpeza melancólica, então. Mas, e quando não há limpeza nenhuma? A morte seria uma ferida cicatrizada? Ou apenas uma forma diferente de melancolia, tendo em vista que a sujeira concederia  às lápides tons de desleixo?
Para a sociedade contemporânea ocidental em que vivo, seria moralmente mais “bonito” que os entes não mais presentes tenham sua última morada sempre renovada, pois o gesto demonstra o carinho que os vivos ainda possuem por seus mortos. O túmulo é um aporte, um estímulo para que a memória continue falando de quem faleceu.
Por isso, a segunda categoria que citei pode ser vista com maus olhos. Quem não preserva as sepulturas dos seus, não se lembra mais deles.
E o que dizer de um cemitério inteiro sem visitas? Conheço um. Há anos ele foi descoberto (em todos os sentidos), à beira de uma estrada, no alto de uma colina. Foram fazer limpeza de terreno, para obras ligadas à rodovia e lá estava ele, escondido entre arbustos e grandes árvores, pequeno. Virou notícia de jornal. Órgãos públicos e privados o limparam e revitalizaram.
Como passo por lá com certa frequência, percebo que o mato está tomando conta de novo, o que mostra que o cemitério da colina (escolhi este nome, que tal?) continuou sozinho. Talvez, como ele está desse jeito, sabe-se lá desde quando, os vivos, ou já esqueceram, ou fizeram um pacto silencioso de deixa-lo lá, quieto. Mas é importante que ninguém quebre o acordo, porque se um levar flores ou fazer lavação, ficará feio para os outros, displicentes. Em grandes cemitérios, cidades do além, tal prática seria inviável: difícil agregar muita gente em uma combinação.
Sou meio machadiano, acho. Penso que o local do último repouso pode reter marcas do tempo, indicando uma espécie de velhice natural, que em vida todos temos. O cemitério da colina estava nesse caminho, mas tomou uma injeção de botox.