sexta-feira, 29 de novembro de 2013
Afterlife
Esse é o clipe do Arcade Fire, feito a partir do filme Black Orpheus (1959), baseado na obra do Vinicius.
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Permanecer
Quando
criança, morei um tempo com a minha avó, em um sítio. Minhas primeiras
recordações são desta época. Os banhos no rio – que passava atrás de casa e
murmurava baixinho o ano inteiro – as brincadeiras com meus tios, os mágicos
dias de domingo, quando íamos à missa e depois passávamos o dia saboreando o
passar do tempo lento, à sombra de um ingazeiro.
A avó
ficou viúva muito cedo e viu o mundo exigir dela uma cruz bem pesada. Mais
pesada do que ela podia carregar? Não sei. Ela ia indo... Acordava às cinco da
madrugada para fazer fogo no fogão à lenha e preparava o café. Seus filhos logo
despertavam também para os afazeres na roça. Eu podia ser o último, pois era
café-com-leite, por assim dizer: a idade era pouca e as responsabilidades
também.
Assim,
a avó e eu éramos antagônicos, residíamos situações diferentes na vida,
pertencíamos a hierarquias distintas. Ela liderava. Eu estava entregue à
ludicidade. Descer o morro de cachopa, brincar com bichos, pescar e inventar
estripulias eram meus “compromissos”. Eu tinha liberdade.
Mesmo
quando eu acompanhava um adulto em alguma atividade séria, para mim, tudo
parecia festa. De tardezinha, nossa líder ia ordenhar as vacas para garantir
nosso leite e me levava junto. Aí está um dos momentos mais bonitos que vivi em
meus verdes anos. Lembro-me que conversávamos sobre muitas coisas. Eu
perguntava quanto tempo meu pai e minha mãe iam demorar para me fazer nova
visita. Ela dizia que logo-logo e pedia para eu olhar a lua, porque era a mesma
que, naquele momento, iluminava os dois, a quilômetros dali. Em seguida, ela
espirrava o leite direto do ubre da vaca para a minha boca e nós dávamos
risada, com aquela pequena bagunça. Hoje sinto orgulho quando penso que a
ajudei dar mais leveza ao seu dia-a-dia.
Trocávamos,
pois. Ela esculpia, com mãos trabalhadoras, as bases da minha formação com
exemplos e afeto, ao passo que eu, sem saber, mantinha viva, nela, a alegria
pura que as crianças podem proporcionar.
Pensando
bem, agora entendo o porquê de minha avó me chamar para fazer pão com ela ou recolher
os ovos no galinheiro. Ela gostava de me carregar junto.
E eu a carrego, até
hoje, para todos os lugares. Ela está no meu aperto de mão e no meu sorriso
sincero. Ela está.
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