Paulo
César está preso no final de semana.
A
semana passou rápido demais. Procurou aproveitar cada momento como se fosse o
último de sua vida. Utilizou o horário comercial o melhor que pode: visitou
clientes, preencheu documentos, fechou novos contratos e, mesmo nos minutos
restantes dos dias, fez ligações importantíssimas.
Como
era bom terminar o dia com a sensação de ter produzido para a empresa. Paulo
César era representante comercial de uma empresa de embutidos. Normalmente era
sua foto que estava no mural de funcionário do mês. Quando não, ele ficava
visivelmente incomodado e batalhava para que no próximo mês seu belo sorriso fosse
estampado no lugar mais alto do pavilhão. E para garantir que não seria outro o
contemplado com a homenagem, fazia ainda um lobby junto ao chefe.
E
quando encerrava o expediente, ia para casa e dava uma esticadinha, adiantava o
serviço do dia seguinte. Uma vez ligou para uma padaria às dez da noite
querendo saber se eles estavam precisando da linguiça toscana ou calabresa.
-
Boa noite! Quem?
-
Gostaria de falar com quem?
-
É da padaria?
-
Sim, mas já fechou há duas horas.
-
É sobre o tipo de linguiça que vocês querem pegar amanhã.
Desligaram.
Teve
também a vez do barzinho.
-
Alô! – disse Paulo César.
Do
outro lado da linha estava um bêbado. Era Raimundo, que frequentava o local
praticamente todos os dias e, por isso, já se achava tão íntimo do proprietário
que até se metia a recepcionar clientes e atender telefonemas. Claro que só começava
a fazer isso depois de algumas cervejas. Isso ia até que Seu Moraes o conduzia
para fora e conversava um pouco com ele, que chorava suas mágoas ao único “amigo”
que tinha.
-
Aaalloou! – respondeu Raimundo.
“Nossa,
que animação!”, pensou Paulo César. Como era bom falar com alguém tão bem
disposto!
-
Queria falar sobre aperitivos.
-
Eeeu também! Pedi uma porção há uma hora e ninguém me serviu nada ainda! –
respondeu Raimundo, que começou a frase empolgado e terminou muito irritado.
Seu Moraes disse que o pedido já estava pronto e bem em frente ao Raimundo.
Quando este viu, desligou o telefone e foi comer.
O
problema de Paulo César era a família. Quando chegava em casa depois de um dia
de dedicação e queria ampliar um pouco seus afazeres, lá vinha mulher e filhos
querendo atenção. Era lâmpada para trocar, lição de casa para fazer, enfim,
atenção para dar. Muitas vezes, ele chegava bem de mansinho e corria para o
quarto, passando a chave bem rapidinho para não dar tempo de ninguém abrir a
porta. Quando ele conseguia isso, era a glória! Sentava-se à escrivaninha e lá
se iam mais algumas horas de produção. Quando achava que era hora de dormir,
deixava a esposa entrar, afinal a cama era dela também.
Agora,
tinha chegado a sexta-feira. Era sempre o mesmo drama. Ele não trabalhava, nem
no sábado, nem no domingo. Ou seja, era obrigado a esperar a segunda-feira para
voltar às atividades. Via-se obrigado a passear no parque, ir ao cinema, tomar
um sorvete, ficar de bobeira, visitar familiares, almoçar na casa da sogra ou
da mãe. Que dificuldade! Às vezes alguém lhe perguntava como estavam os
negócios. Pronto, a salvação, a evasão, um oásis em meio a tanta inutilidade.
Com avidez, Paulo César relatava tudo ao seu interlocutor, revelando até
detalhes que, com certeza só interessam a ele. Geralmente, que puxava conversa
com ele, se arrependia. Por isso, estava ficando cada vez mais raro: quem já
sabia, evitava entrar no assunto. Como a família não era muito grande e os
amigos escassos, tornava-se cada vez mais raro as oportunidades de ele
discorrer sobre o que gostava.
Com
a chegada do domingo à tarde, tudo melhora para Paulo César. Já dá até para
fazer planejamentos. Ter uma ideia, ligar para o clube de idosos da cidade e
tirar uma dúvida sobre uma venda que será feita lá nos próximos dias. A
coordenadora atende, ao mesmo tempo que acompanha as pedras do bingo que estão
sendo cantadas.
-
Oi! – atende Dona Hilda.
-
Boa noite! Aqui é o Paulo César da Frios & Frios. Gostaria de confirmar o
número de pacotes de presunto que entregarei na quarta para a senhora.
-
Vinte e cinco – reponde solícita a Dona Hilda.
-
Bingo! – gritou Seu Etelvino, confuso.
Até
explicar para ele a situação, deu tempo de todo mundo fazer um lanche. Sem
presunto, ainda.