terça-feira, 29 de outubro de 2013

De como escrever

Quer escrever, mas o papel em branco parece-lhe assustador. Pega o que precisa, senta no sofá e começa a tentar ter ideias. Imagina cenas, personagens, desfechos. Rabisca três inícios diferentes.  Come unha, levanta, anda, abre a geladeira, come uma maçã e uma massa. Que difícil que é. Talvez se fizesse algo do tipo fluxo de consciência. Não, soaria meio manjado. Ou quem sabe uma coisa bem crítica – tanta ladroagem na política.
É interessante como alguém tão leitor não consegue unir pensamentos coerentemente para montar uma história.  Uma luz: metalinguagem seria o caminho perfeito. Nada como um meta-texto para preencher o vazio. É só dizer o que deveria e não deveria haver em um bom texto. Só que, na verdade, não gosta desse tema. Detesta, aliás. Acha tagarelice demais.
A vontade de se tornar um escritor é antiga. Na época da faculdade, porém, ela cresceu. Ficava embevecido ao ouvir histórias sobre grandes obras literárias, contadas pelos professores.  Certa vez até perguntou para uma professora do curso de Letras se ela escrevia. “São coisas diferentes”. “Como assim? Então quem trabalha com isso não é capaz de produzir?”. Demorou até que compreendesse. Agora sabe perfeitamente o que aquilo queria dizer.
No fundo, a causa real dessa dificuldade é a seguinte: não admite algo ruim. As dezenas de autores de altíssima qualidade que já leu, desde a infância, fizeram nascer um espírito crítico que o reprime mesmo só de pensar em escrever uma história fraca. Para ser sincero, possui, bem no fundo da memória, uma boa trama, que deu conta de inventar com o tempo. Uma carta na manga. O duro é materializá-la. Só que a julga muito trivial. Além do que, o final está incompleto.
Mas uma coisa é certa, metalinguagem está fora de cogitação.

domingo, 20 de outubro de 2013

A bênção, Vinicius

Escrevo sobre Vinicius de Moraes um dia depois de seu centenário. Devia ter feito ontem. É que meu tempo também é quando.
E achei perfeito o dia de ontem ter sido um sábado. Combina bem com Vinicius. Pedro Nava, em suas memórias, ao falar do amigo carioca, associa-o ao momento mais boêmio de sua juventude, em Belo Horizonte. E, a propósito, foi em noite de sábado que Nava, com seus amigos, adentrou pela primeira vez um mundo que não lhe pertenceria. As agitações noturnas dos tempos universitários lá ficaram, não acompanharam os anos trabalhosos que o reumatologista Pedro Nava iria enfrentar. O médico e memorialista achava que Vinicius era o homem mais livre que ele conhecera. Drummond, que, aliás, participava do mesmo grupo de Nava, dizia que queria ter sido Vinicius. Talvez, por causa deste sentimento de liberdade que ele inspirava nos outros.
Chico Buarque, no filme que leva o nome do poeta, faz a seguinte pergunta: “Onde estaria Vinicius de Moraes hoje em dia?” A indagação é no sentido de que o desprendimento com o qual ele levava a vida, provavelmente, não caberia na mesquinhez da atualidade. Ainda na referida película, Edu Lobo revela que seu parceiro musical – Vinicius era um sujeito de parcerias (musicais e amorosas, diga-se de passagem): ele agregava, como um ímã, uma antena, uma luz incandescente acesa – ligava para, simplesmente, perguntar como as pessoas estavam.
Por outro lado, Toquinho diz ter aprendido com seu mestre a ser disciplinado, respeitar horários, calendários. Isso pode parecer antagônico, eu sei. Mas para que paradoxo maior do que pensar um ser humano tão solto foi o melhor sonetista do Brasil? O soneto é rigoroso, porém com Vinicius ele entrou no samba, aprendeu a permanecer comportado, com o máximo de leveza, sensibilidade e alegria que ele podia ter.