quinta-feira, 24 de abril de 2014

Instantes

Sempre me interessou captar o momento.
Irrita-me o caráter fugidio das coisas. Sempre me irritou, na verdade. Desejo o instante. Almejo a fração de segundo.
Entendo que a fotografia “eterniza momentos”, como se diz. Mas não gosto de fotografias: elas raramente são naturais e tentam esconder aquilo que quase nunca somos. Quando se posa para fotos, é comum vermos pessoas em situação de antítese, meio que tentando demonstrar algo que o olhar contradiz. Sei quem é Sebastião Salgado, reconheço a arte fotográfica, mas ela não satisfaz o anseio ao qual me refiro.
Quero o sussurro um pouco anterior ao clímax do prazer, a lágrima rápida e inevitável que a cena de um filme antigo faz brotar, o sorriso que a criança deixa escapar, as luzes fugazes de um show de rock, o prazer do vinho e da massa, a alegria levemente (ou não) embriagada da reunião de amigos, o olhar vago e amendoado após leitura de Machado, o brilho na troca de olhares com meu amor.
Tudo se repete? Não! E não tenho paciência para esperar.
Consigo, inclusive, sentir nostalgia do sublime momento está acontecendo: é saudade do presente. Pensando bem, isso pode até dividir espaço com o que tanto prezo. Mas se eu conseguisse congelar o instante, tudo seria mais fácil.
Existe a prática da máscara mortuária, que é guardar uma recordação de alguém que já se encontra inerte. Eu não poderia usá-la como metáfora, pois, como se vê, não quero congelar aquilo que congelado está. Outro tipo de gesso, no entanto, seria de grande valia. Um gesso que moldasse as circunstâncias que, para mim, não deveriam passar.
Porém, ninguém vive de paliativos. Ademais, o molde é sempre uma representação, um simulacro do real. Percebe-se que tudo é uma questão de tempo, e com ele não se mexe, não é? Talvez. “O tempo é um ponto de vista do relógio”, disse Mario Quintana.

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