sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Permanecer

Quando criança, morei um tempo com a minha avó, em um sítio. Minhas primeiras recordações são desta época. Os banhos no rio – que passava atrás de casa e murmurava baixinho o ano inteiro – as brincadeiras com meus tios, os mágicos dias de domingo, quando íamos à missa e depois passávamos o dia saboreando o passar do tempo lento, à sombra de um ingazeiro.
A avó ficou viúva muito cedo e viu o mundo exigir dela uma cruz bem pesada. Mais pesada do que ela podia carregar? Não sei. Ela ia indo... Acordava às cinco da madrugada para fazer fogo no fogão à lenha e preparava o café. Seus filhos logo despertavam também para os afazeres na roça. Eu podia ser o último, pois era café-com-leite, por assim dizer: a idade era pouca e as responsabilidades também.
Assim, a avó e eu éramos antagônicos, residíamos situações diferentes na vida, pertencíamos a hierarquias distintas. Ela liderava. Eu estava entregue à ludicidade. Descer o morro de cachopa, brincar com bichos, pescar e inventar estripulias eram meus “compromissos”. Eu tinha liberdade.
Mesmo quando eu acompanhava um adulto em alguma atividade séria, para mim, tudo parecia festa. De tardezinha, nossa líder ia ordenhar as vacas para garantir nosso leite e me levava junto. Aí está um dos momentos mais bonitos que vivi em meus verdes anos. Lembro-me que conversávamos sobre muitas coisas. Eu perguntava quanto tempo meu pai e minha mãe iam demorar para me fazer nova visita. Ela dizia que logo-logo e pedia para eu olhar a lua, porque era a mesma que, naquele momento, iluminava os dois, a quilômetros dali. Em seguida, ela espirrava o leite direto do ubre da vaca para a minha boca e nós dávamos risada, com aquela pequena bagunça. Hoje sinto orgulho quando penso que a ajudei dar mais leveza ao seu dia-a-dia.
Trocávamos, pois. Ela esculpia, com mãos trabalhadoras, as bases da minha formação com exemplos e afeto, ao passo que eu, sem saber, mantinha viva, nela, a alegria pura que as crianças podem proporcionar.
Pensando bem, agora entendo o porquê de minha avó me chamar para fazer pão com ela ou recolher os ovos no galinheiro. Ela gostava de me carregar junto.
E eu a carrego, até hoje, para todos os lugares. Ela está no meu aperto de mão e no meu sorriso sincero. Ela está.

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