quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Dedicatórias



Adoro escrever dedicatórias. Antes mesmo de presentear alguém com um livro, já crio mentalmente qual dedicatória combina melhor. Mas o que eu gosto mesmo são as ações exclusivamente interiores, que ficam somente no âmbito da fantasia. Ou seja, lembro de uma pessoa e procuro associar seu perfil a um livro. Em seguida penso em algo para escrever na primeira página. Acontece também, mais raramente, de eu simplesmente me deparar com uma obra qualquer e imaginar que dedicatória ela mereceria.
Tenho um tio que é fascinado por coisas que a maioria considera fúteis. Outro dia ele contou que está esperando pelas férias para poder se dedicar ao estudo dos relógios: sua história, como funciona etc. Logo, imaginei-me passeando por uma livraria quando, por acaso, encontro um belo volume que trata justamente do referido assunto. Cuidadosamente, retiro o objeto da alta prateleira, levo até o balcão onde uma simpática senhorita está a minha espera para fazer a cobrança e, com toda a excitação do mundo, pego a caneta. Citando Mário Quintana, escrevo assim: “O tempo é um ponto de vista do relógio.” Não sei se ficaria bom, mas como eu disse anteriormente, fazer dedicatórias é uma coisa que me agrada, porém, isso não significa que eu o faça bem.
Em uma outra ocasião, enquanto relia A Chave do Tamanho, do Lobato, descobri como o livro abre possibilidades para fazer ótimas dedicatórias. Por exemplo: “Se você estivesse na Casa das Chaves, qual chave você desligaria?” Ou então: “Que esta história abra muitas portas em sua vida”. Ou ainda, caso o presenteado fosse uma namorada: “Você é a chave da minha felicidade”. Tudo bem, são três frases piegas, entretanto, convenhamos que ninguém vai ficar meia hora tentando decifrar palavras altamente filosóficas no momento em que ganha um presente.
No ano passado, participei de um amigo oculto em que todos os participantes presentearam-se com livros de sebo. Gostei da ideia e saí para cumprir minha parte. A tarefa de associar uma pessoa o um objeto nunca é fácil, por isso foram necessárias horas de procura. Por fim, acabei escolhendo Dom Quixote, numa edição antiga e muito bonita. No entanto o que chamou minha atenção na obra foi que ela já vinha uma dedicatória, datada de 1970. Ela dizia o seguinte: “Alberto, desculpe, mas não posso mais ser seu Sancho Pança. Nossos caminhos, agora, são paralelos. Adeus, Marta”. Achei fantástico. Até recorri, em vão, para a minha velha imaginação a fim de criar algo que complementasse ou mudasse a decisão da Marta. Decidi que o melhor era deixar assim, mesmo porque o presente ficaria bem mais autêntico.
Há anos alimento uma ideia que gostaria de lançar às editoras: fazer um livro só com dedicatórias.  Talvez, buscando um lucro maior, os autores podiam ser famosos. Não sei como se daria a coleta de material – o processo deve ser complicado. Quem sabe isso até já tenha sido feito. Contudo, contribuo aqui para a valorização da dedicatória como, quem sabe, um novo estilo literário que possa surgir.




Um comentário:

  1. Fantástico, Alencar! E eu sei, por experiência própria, que tu se sai muito bem na tarefa de escrever dedicatórias... Abraço, Nataly.

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